O padeiro, de 52 anos, que trabalhava em uma padaria no bairro Serrano, na região Noroeste de Belo Horizonte, investigada pela internação de três pessoas em estado grave após terem consumido uma torta de frango do local, promete processar o dono do estabelecimento. O profissional alega que o empresário teria o acusado de ter envenenado o alimento — o que foi negado por ele. O padeiro acredita que o produto possa ter sido vendido estragado, já que o armazenamento, conforme ele, não seria feito de forma adequada.   

"O ambiente não é sujo, mas é muito desorganizado. Os salgados eram colocados em uma bandeja de alumínio e guardados no freezer sem embalar. E não pode ter contato com um outro produto. Só que, nesse mesmo freezer, eles guardavam outros salgados, restos de alimentos. Além disso, eles assavam essas tortas, colocavam na vitrine, depois retornavam para o freezer e assavam novamente quando iam vender para algum cliente, tudo na mesma bandeja”, contou o padeiro, que recebeu a equipe de reportagem de O TEMPO em sua casa e pediu para não ser identificado".

De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), o estabelecimento não possui alvará sanitário e não havia nenhum cadastro no serviço para iniciar o processo de liberação do documento. Equipes da Vigilância Sanitária estiveram no local na manhã de quarta-feira (23) e encontraram “irregularidades no que se refere a questões de higiene e estrutura sanitária”. A padaria foi interditada após a vistoria.

A torta de frango 

A torta vendida aos clientes hospitalizados foi produzida na manhã do último sábado (19). A receita, segundo o padeiro, tem a base de farinha de trigo, manteiga, ovo e sal. "A torta leva farinha de trigo, manteiga, ovo, leite e sal para a massa. O recheio é com cebola, água, colorau, um pouco de sal, farinha para engrossar e frango desfiado. Se tivesse algum outro produto, não fui eu quem coloquei", afirmou.   

O alimento foi comprado pela idosa, de 75, e o casal, de 23 e 24, na segunda-feira (21) — dois dias após ter sido produzido. No mesmo dia, eles estiveram na padaria e devolveram o alimento, que havia sido consumido parcialmente, afirmando que ele estava estragado. Eles foram ressarcidos do valor pago pelo lanche. Na terça-feira (22), os três foram hospitalizados com sintomas de intoxicação. A idosa foi levada para uma unidade de saúde em Venda Nova, na capital, e o casal para uma de Sete Lagoas, na região Central do Estado.   

"Saíram falando que me viram discutindo com uma pessoa e que eu iria fazer uma tragédia. Eu nunca falei isso, tiraram isso da cabeça deles (de uma funcionária da padaria). E o dono da padaria me condenou, decidiu jogar a culpa em mim (dizendo que a torta estava envenenada). Chumbinho? Um veneno que mata rato, vou colocar para pessoas que não conheço? Que não sabia quem são? Eles vão ter que me pagar por danos morais", desabafou o profissional.   

Conforme o boletim de ocorrência registrado pela Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), exames preliminares feitos pela equipe médica indicaram a possibilidade de contaminação com três possíveis substâncias: carbamato, organofosforado ou toxina botulínica. "Os carbamatos e organofosforados, por exemplo, são substâncias que podem estar presentes na composição química do produto popularmente conhecido como 'chumbinho'. Estes compostos agem inibindo a enzima acetilcolinesterase, o que provoca o acúmulo de acetilcolina no sistema nervoso”, explicou o doutor Egon Campos dos Santos, químico formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para a reportagem de O TEMPO

Ainda segundo o especialista, a toxina botulínica, que é produzida pela bactéria Clostridium botulinum, pode estar presente em alimentos em conserva, como palmito, compotas e produtos de origem animal mal conservados. Apesar de largamente utilizada por médicos e dentistas para fins estéticos, no famoso "Botox", a substância deve ser aplicada localmente, pois, se cair na corrente sanguínea, pode causar a morte por falta de ar. No entanto, segundo familiares da idosa de 75 anos, um exame feito em uma das vítimas teria descartado a existência de "chumbinho".   

A relação do padeiro com a padaria 

De acordo com o padeiro, ele começou a trabalhar no local no dia 11 de abril. O profissional não tinha carteira assinada e recebia R$ 100 pela jornada de oito horas (12h às 20h). "Na quinta-feira (10), saí de casa para procurar serviço porque tinha saído de uma padaria. Cheguei lá e perguntei à menina do caixa se tinha vaga de padeiro e ela disse que iria perguntar. Ele veio, conversou comigo e pediu para vir no outro dia fazer um teste com o outro padeiro, que estava saindo. No sábado (12), já comecei a trabalhar sozinho", contou. 

O profissional esteve no estabelecimento até o dia 19 de abril, data em que as tortas supostamente contaminadas foram produzidas. O padeiro não retornou ao trabalho nos dias seguintes, pois, segundo ele, havia sido diagnosticado com um resfriado. "Tive uma gripe no domingo (20) e não fui trabalhar na segunda (21) e na terça (22). Na quarta-feira (23), essa bomba estourou", detalhou. Ele teme que o caso possa impedi-lo de conseguir um novo emprego na área. Conforme o padeiro, a atividade começou a ser exercida por ele aos 12 anos, período em que era responsável por levar comida aos seus irmãos, que atuavam no mesmo ofício.

"São 40 anos fazendo isso, e agora estou sem graça de sair de casa e procurar trabalho. Imagina quando chegar para pedir emprego, a pessoa perguntar o meu nome e ela associar ao caso, falando que sou o padeiro que envenenou três pessoas? Fica difícil conseguir emprego e eu tenho uma filha de cinco anos para criar. Vou ter que mudar de profissão", desabafou. 

A reportagem tentou contato com o proprietário da padaria sobre as denúncias feitas pelo padeiro. No entanto, não obteve retorno.

Investigação 

O caso é investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). A polícia não descarta a possibilidade de envenenamento ou de contaminação causada por alguma toxina ou microorganismos.

Veja o vídeo: