“Eu tenho arrependimento todos os dias de ter feito faculdade por meio do Fies, porque é uma dívida que hoje é fora da minha realidade. Ela está no valor de R$ 162 mil e eu não consigo negociar.” O lamento do bancário Bruno Soares*, de 28 anos, sintetiza o sentimento de milhões de brasileiros que viram o sonho da educação superior se transformar em um pesadelo a partir de dívidas adquiridas com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). 

O programa vive uma derrocada: nos últimos 11 anos, houve uma queda de 94% no número de contratos formalizados. Em 2014, o Fies contabilizou 732.645 novos estudantes, indicador que caiu a 43.827 em 2024, de acordo com o Ministério da Educação (MEC). A queda no interesse é acompanhada por uma inadimplência recorde - na casa dos 60% - considerando apenas os acordos em fase de amortização. São 1,23 milhão de pessoas com débitos no programa há mais de 90 dias, dentro de um universo de quase 2,1 milhões que já estão aptos a quitar os encargos. 

Formado em engenharia civil, Bruno*, que pediu para ter a identidade original preservada, não conseguiu emprego na área de formação, o que dificultou o pagamento das parcelas do financiamento. “A minha prestação era no valor de R$ 1.292. Quando começaram a cobrar, eu fui ao banco no qual eu fiz o financiamento, e solicitei para ver se conseguia renegociar para uma parcela que cabia dentro do meu orçamento, e eles não permitiram”, lembra. 

Novas adesões ao Fies despencaram nos últimos anos, mostram dados do MEC

Com o nome negativado desde 2022, Bruno* lamenta as consequências que a situação gera impactos diretos à vida dele atualmente. “Eu não consigo, às vezes, liberação de crédito em outra instituição para um cartão de crédito, por exemplo, e isso me atrapalha, né? Eu não consigo fazer um financiamento de um carro. Até hoje eu não consegui resolver essa situação. Pretendo negociar, mas com uma prestação que fique dentro do meu orçamento”, completa o bancário, morador de Ipatinga, na região do Vale do Aço, em Minas Gerais. 

Mudanças desestruturaram Fies, diz setor  j2z4i

Na avaliação do diretor de Relações Institucionais e Governamentais da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Bruno Coimbra, o enfraquecimento do programa tem relação com o “Novo Fies”, aprovado em 2017, por meio da Lei 13.530, no governo Michel Temer (MDB). A alteração dificultou, segundo ele, a entrada em outros programas como o ProUni, já que houve redução nos percentuais financiados pelo Fies, sem uma integração a outras políticas públicas. 

Dentre outros pontos, o modelo proposto, frisa Coimbra, estabeleceu o fim da carência de 18 meses após a conclusão do curso para início do pagamento do financiamento. O texto também criou o Fundo Garantidor do Fies, que ou a ser de adesão obrigatória das instituições de ensino, para garantir o crédito aos financiamentos, e criou uma cota de 100 mil vagas a juro zero para estudantes em vulnerabilidade social.

As demais vagas teriam juros variáveis de acordo com o banco onde o financiamento for realizado. A alteração também dividiu a distribuição de oportunidades com financiamento de 100% dos cursos, conforme a renda dos estudantes, com variações de três a até cinco salários mínimos. 

“Essa reformulação de 2017 tornou o programa mais desinteressante para boa parte dos alunos e fez com que empresas do mercado começassem a pensar alternativas ao financiamento, como financiamentos próprios, convênios com os bancos, algo que efetivamente atendesse ao aluno”, disse Coimbra. Ele cita que um dos maiores prejuízos foi a mudança no pagamento da coparticipação - valor que os estudantes pagam trimestralmente, durante o curso. 

O valor que antes era em torno de R$ 50 chegou a representar quase metade do valor da mensalidade, sendo cobrado mensalmente. “Vamos imaginar um curso de medicina, com mensalidade em torno de R$ 10.000, que é o teto do Fies atualmente, para um aluno do perfil de três a cinco salários mínimos, ele vai receber um boleto de R$ 5.000 todo mês. Esse boleto foi criado com a confiança de que iria gerar uma cultura de pagamento, com impacto extremamente positivo na inadimplência, mas não me parece que esse prognóstico se consolidou ”, ilustra. 

O sentimento é compartilhado por Claudio Alcides Jacoski, presidente da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc). “Com o andar do programa, ele apresentou algumas deficiências, por exemplo, na forma de controle e de acompanhamento. Quando surgiu o fundo garantidor, fazendo com que parte das instituições bancasse parte da inadimplência, muitas instituições recuaram e saíram (do mercado) porque viram um grande risco sendo colocado no caixa das instituições”, diz ele, também reitor da Unichapecó.

Cultura empreendedora e crise também impactaram i3i5f

Na avaliação do presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, a queda no interesse ao Fies e o aumento da inadimplência envolvendo o programa têm relação direta com o período de crise econômica vivenciado no Brasil a partir de 2015. O país saiu de uma taxa de desemprego de 7,9% da população, em janeiro de 2015, e viu o indicador subir nos anos seguintes e chegando ao valor recorde de 14,9% em 2020 e 2021. 

“O problema é que o Brasil entrou nessa crise econômica 10 anos atrás e vamos dizer, com toda a turbulência política que houve, isso não foi devidamente resolvido. Então, com isso,  as pessoas ficaram com medo de não conseguirem pagar. E o grande resultado da educação superior, citado por economistas da educação, de ter uma maior rentabilidade, uma ascensão social, não foi visto”, disse Janine Ribeiro, que liderou a pasta entre abril e setembro de 2015. 

Outro ponto com interferência direta nos resultados do Fies, conforme o ex-ministro, é a chamada “pejotização”, com mais trabalhadores atuando em negócios próprios e abrindo mão de uma formação superior. “Isso também tem um certo impacto, além das questões financeiras, nesse baixo interesse que tem sido observado. Criaram uma ilusão muito grande nas pessoas que acham que se elas ‘meterem a cara’ no empreendedorismo vão ter muito êxito na vida. Mas eu acho isso uma grande ilusão, porque é uma realidade que é para alguns, né? A maior parte não vai ter essa possibilidade”, observa Janine Ribeiro. 

Inadimplência em família  11m20

Na família de Letícia Souza*, de 30 anos, a inadimplência no programa não afeta somente a ela, que se formou em arquitetura. Ao deixar de arcar com as dívidas do financiamento estudantil, o nome do pai, que era o fiador da dívida contratada em 2013, acabou negativado. A arquiteta, que pediu para o nome verdadeiro ser preservado, relata que sentiu-se lesada ao ver outros estudantes tendo descontos de quase toda a dívida nas renegociações feitas em 2022, na rodada promovida na reta final do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e em 2023, com o “Desenrola Fies”, criado já na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Inadimplência no Fies disparou desde 2015

“Tomei essa decisão difícil de me tornar inadimplente não por querer deixar de honrar o compromisso, mas buscando um desconto maior. Porque as pessoas que não pagaram, elas tiveram até 99% de desconto. É um risco que eu estou tendo, porque a lei contava até dezembro do final do ano. E a partir disso, não tem mais lei que dê esse desconto. Só se eu tivesse o valor inteiro em mãos, coisa que eu não tenho”, conta ela, responsável por um débito de R$ 45 mil em atraso. 

“Quando eu entrei, a única opção que eu tinha era ou entrar com o Fies ou pelo ProUni e Sisu”, lembra ela, que garante estar fazendo um planejamento para quitar a dívida, enquanto aguarda uma condição melhor de negociação. “Eu nunca fui inadimplente na minha vida, sempre tive nome limpo, e às vezes fico pensando se realmente vale a pena eu tentar essa estratégia ou seguir isso, porque dá vontade de realmente de pagar e desistir disso, porque eles ligam umas seis vezes ao dia. Isso me incomoda muito”, lamenta a arquiteta, moradora de Belo Horizonte.

Bancos istram dívida bilionária k3c3v



No BB, estimativas é de que dívidas do programa ultraem os R$ 26 bilhões - Foto: Alex de Jesus / O TEMPO

A inadimplência, além de dificultar a expansão do Fies, também gera uma dívida bilionária com bancos públicos. Juntos, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil (BB) amargam um prejuízo de ao menos R$ 15,7 bilhões, de acordo com dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O valor, no entanto, é maior, já que a cifra informada pelo governo à reportagem é restrita aos contratos inadimplentes na fase de amortização entre 2020 e 2024.

No caso do Banco do Brasil, estima-se no mercado que o saldo negativo com acordos não cumpridos chegue a R$ 26 bilhões, já que a instituição financeira operacionalizou o financiamento desde 2010 até 2018, ano em que a Caixa ou a atuar como agente financeiro exclusivo do chamado ‘Novo Fies’. Atualmente, conforme o Banco do Brasil, a instituição tem 838.213 contratos do programa em fase de amortização, dos quais 572.617 estão inadimplentes.

Caixa é o único banco autorizado a realizar operações do Fies desde 2018 - Foto: Alex de Jesus/ O TEMPO

Já a Caixa garante ter 1.198.913 contratos em fase de amortização no banco, sendo que 746.304 estudantes estão inadimplentes. O banco não informou o valor total dos débitos em aberto. De acordo com a instituição, o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), utilizado para honrar compromissos do Fies, tem R$ 20 milhões disponíveis atualmente para a cobertura da inadimplência dos estudantes. 

Remodelar é o caminho? 1b6g5o

O diretor de Relações Institucionais e Governamentais da Abmes, Bruno Coimbra, afirma que o cenário atual enfraquece instituições de ensino, já que, em algumas entidades - sobretudo na área da saúde - houve uma dependência de cerca de 70% do faturamento do Fies. “E isso acabou. Então, muitas instituições também fizeram toda uma reprogramação institucional para absolutamente não depender do Fies, porque se trata hoje de um risco gigantesco”, relata Coimbra.

Ele acredita que o modelo do Fies chegou à exaustão e deve ser revisitado, mas sem a criação de “novas versões”. “Há uma necessidade de revisarmos o programa dentro de uma lógica mais social, mais preocupada com as reais necessidades dos alunos e conciliando o Fies com o ProUni. Para melhorarmos essa adesão, a gente precisa enxergar o Fies e realocá-lo conjuntamente com outras políticas, especialmente a própria política do ProUni”, sinaliza ele, que não vê o programa se retroalimentando.

“Talvez a gente tenha feito uma concepção lá em 2017 que está empurrando instituições e alunos para fora do sistema. Essa lógica de não conseguir se retroalimentar, com os estudantes concluintes alimentando o sistema para financiar a entrada de outros, impacta demais e reforça ainda mais essa exaustão”, completa Coimbra, que reclama da falta de poder das instituições de ensino na renegociação de débitos com estudantes.

“O que a gente tem batalhado muito é que, em eventuais revisões, façam esse concílio. Cadê o aluno do ProUni? Estamos falando de uma ociosidade imensa no ProUni. Onde está a possibilidade do aluno do CadÚnico, com um salário mínimo e meio, que teria muitas chances de financiar totalmente o que lhe falta em algum cenário, ter uma bolsa do ProUni? Por que esses dois perfis não estão se encontrando? Então, um primeiro movimento seria conciliar uma coisa com a outra. Um outro movimento, seria criar cenários de acompanhamento da inadimplência desse aluno, entender o que está acontecendo, ter possibilidades, dentro da eventual capacidade financeira da instituição, de negociar esse boleto, postergar eventuais pagamentos, entendeu? E não que isso ficasse absolutamente engessado com a Caixa Econômica Federal”, critica.

Claudio Alcides Jacoski, da Abruc, cita que a entidade, responsável por representar instituições como a Pontifícia Universidade Católica (PUC), defende um modelo de Fies comunitário. “Seria necessária a criação de um fundo inicial pelo governo brasileiro e uma gestão adequada desse fundo para garantir uma retroalimentação a partir da cobrança desses estudantes, que poderia ser feita, inclusive, com um processo de pós-formatura, em que, ao se formar, esse aluno teria condições de destinar uma parte do seu pagamento para reanimar esse fundo com os recursos que obteve. Esse é um modelo que funciona muito bem em alguns países”, sugere, ao citar o modelo vigente na Austrália.

Trava no Fies impacta mão de obra nacional 55p1r

A redução do volume de novos estudantes no ensino superior com o declínio do Fies traz impactos também aos setores produtivos, afetando a geração de mão de obra qualificada no país. A observação é do diretor da Abmes, Bruno Coimbra. “Cerca de 80% da nossa atuação na educação superior é especialmente voltada para as classes D e E. Neste caso, não é que o Fies seja uma alternativa. Ele é a única alternativa. Se o estudante não é elegível para o ProUni e vai tentar o Fies, mas não consegue financiamento total, esqueça. Esse aluno não vai estudar. E muito desse contingente está nas pequenas e médias cidades, onde a empregabilidade e a mão de obra qualificada são vitais para a sobrevivência daquele município”, explica.

Coimbra pondera que o cenário atual pode tirar estudantes, sobretudo de classes mais vulneráveis financeiramente, do universo da educação superior. “Se as medidas atuais não alcançam esse aluno de baixa renda, do CadÚnico, as políticas bancárias e as políticas da própria instituição podem não estar enxergando esse aluno. Ou seja, as classes C, D e E não estão estudando, não estão gerando mão de obra qualificada, e isso vai impactando a economia daquele município e, consequentemente, de todo o país”, lamenta.

A tese é confirmada pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Felipe Tavares. O especialista diz que há variáveis distintas que interferem na dificuldade de contratação de trabalhadores especializados. “E uma dessas variáveis é a entrada de pessoas no ensino superior. Porque só vai sair gente se entrar gente. E hoje o maior problema é que as pessoas não cumprem os requisitos esperados, principalmente em condições de trabalho mais sofisticadas”, atesta Tavares.

O economista salienta que o problema afeta, principalmente, cargos que necessitam de maior ou menor especialização. “São as duas pontas que a gente sofre mais”, diz. Tavares ressalta, ainda, que a queda na busca pelo ensino superior impactará ainda mais a produtividade do mercado de trabalho no Brasil.

“Nós temos uma produtividade baixa, isso é um problema histórico que está se acumulando, e a expectativa é que esse cenário não melhore. Um dos fatores para aumentar essa produtividade é elevar a escolarização das pessoas para termos profissionais mais sofisticados. E como está havendo queda nesse apelo ao ensino formal, teremos ainda mais dificuldades”, sinaliza o economista da CNC.

Dívidas do Fies explodem na Justiça 4r1p5h

Em meio ao avanço da inadimplência no Fies, o número de processos que envolvem o programa de financiamento explodiu no Brasil. Entre 2020 e abril deste ano, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que quase 90 mil casos foram judicializados no país. Em 2020, foram 231 novas contestações judiciais. O número saltou para 36.784 no ano ado. E já soma 11.527 processos até o dia 30 de abril.

Judicialização do Fies pode garantir mais prazo aos estudantes nas negociações, dizem especialistas

Ao todo, no período, foram 89.610 novas ações no judiciário - uma média de quase 46 mil processos por dia, conforme o levantamento. A base de dados do CNJ não aponta, porém, quais são os pontos de questionamento. O advogado e mestre em direito econômico Felipe Moreira destaca que as ações judiciais têm relação direta com as diversas alterações nas regras do Fies nos últimos anos .

“São pessoas que não estão contempladas por essas alterações que buscam aplicar novas regras a contratos antigos ou aplicar regras antigas a contratos novos, por serem mais favoráveis. Então, essas alterações envolvem valor financiado, forma de financiamento, prazo de carência, forma de amortização e taxa de juros”, cita.

Moreira afirma ainda que, com a judicialização, os estudantes conseguem ganhar prazos para o pagamento da dívida de financiamento. “Ao discutir judicialmente, ele pode, de fato, conseguir êxito e reduzir o valor da dívida, reduzir ou alterar os critérios para a apuração desse valor, mas, de toda maneira, o estudante ganha tempo para pagar. Ele pode conseguir uma tutela antecipada, uma liminar, que reduza temporariamente o valor da parcela mensal ou que suspenda o pagamento, e nisso ele ganha tempo para se reorganizar e colocar o pagamento em dia”, detalha o advogado.

Ofertas de negociação 6752l

Além dos programas de negociação oferecidos pelo governo federal, a Serasa Experian contabiliza 5 milhões de ofertas para mais de um milhão de estudantes que possuem atrasos em pagamentos do ensino superior. Lucas Tosati, especialista financeiro da Serasa, reforça que o nome negativado impactará a oferta de crédito para quem está inadimplente, reduzindo as possibilidades de o a modalidades de financiamento.

“A negativação, no geral, tem algumas consequências para a pessoa que está com o nome sujo. Você não vai ter o a créditos com boas taxas de juros em financiamentos de carros, por exemplo. E, além disso, se precisar de um empréstimo emergencial, você vai ter que recorrer a empresas especializadas nisso, mas, como elas assumem mais risco, acabam aumentando - e muito - a taxa de juros. Então, você paga duas, três vezes mais do que a média de mercado que pagaria anteriormente”, contabiliza Tosati.

No caso das dívidas do Fies, ele frisa que há um impacto maior, tendo em vista que o público deixa o ensino superior já inadimplente. “Dependendo da carreira - por exemplo, um advogado que acabou de cursar Direito -, pode abrir um escritório ou alugar uma sala para atender alguns casos. Se ele estiver negativado no momento em que for alugar essa sala, pode ser barrado por conta de uma negativação ada”, detalha.

Renegociação surte efeito 201k4q

A desenvolvedora Érica Rodrigues, de 29 anos, se formou em Jornalismo com o Fies em 2018, mas não conseguiu arcar com o financiamento em função das dificuldades para inserção no mercado de trabalho. “Em 2014, eu - e imagino que muitos colegas - tinha uma ideia de que, quando se formasse, a gente teria emprego. E aí, com emprego, poderíamos bancar a dívida e ter independência financeira. Mas não foi o que aconteceu. A gente se formou endividado e sem nenhuma perspectiva de estabilidade financeira”, disse.

Moradora de Belo Horizonte, Rodrigues permaneceu cinco anos na inadimplência com o programa, mas quitou a dívida em dezembro de 2023, a partir da renegociação lançada na reta final do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. À época, a medida permitiu que os débitos fossem quitados com descontos acima de 90%. “A minha dívida estava em torno de R$ 50 mil, e era uma quantia que eu não tinha condição nenhuma de pagar”, lembra Érica, que abateu o ivo por pouco mais de R$ 6 mil.

O que diz o MEC?  2b6z2g

À reportagem, o Ministério da Educação disse que havia uma perspectiva de mudanças a partir do Fies Social. O modelo, que entrou em vigor em fevereiro de 2024, ofereceu a possibilidade de financiamento de até 100% para estudantes com renda familiar per capita de meio salário mínimo, inscritos no CAD Único. A regra foi criada com o objetivo de beneficiar até 100 mil pessoas em 2024, o que não se materializou. 

“Tinha aluno que já chegava aluno de baixa renda, chegava no curso e precisava pagar 30% ou 40% da mensalidade, às vezes não tinha e já começava o curso inadimplente”, disse. O ministro afirma que o Fies estava desorganizado, com muitos processos sendo manuais. “Precisamos diferenciar aquele que não paga porque não quer e aquele que não paga porque não pode. Então, estamos tentando cruzar e buscar as informações na receita, buscar as formações no Ministério do Trabalho para saber se a pessoa está empregada ou não, se tem renda ou não”, pondera o ministro Camilo Santana. 

Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) mostram que, até 2024, o programa de renegociação de dívidas alcançou mais de 387.653 acordos firmados em todo o país. “Essas renegociações resultaram em um ingresso expressivo de recursos, totalizando R$ 794.965.912,26 somente com o pagamento das entradas dos acordos”, finaliza o ministro.

Banco do Brasil e Caixa rechaçam 'rombo'  3r2jg

Após a publicação desta reportagem, o Banco do Brasil e a Caixa procuraram a reportagem. O BB garantiu não ter rombo financeiro envolvendo contratos inadimplentes do Fies. "Nos contratos formalizados pelo Banco do Brasil no âmbito do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) até 2017, o risco das operações é mitigado pelo Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), conforme previsto na Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, que autoriza a utilização de fundo garantidor para cobertura do risco de inadimplência", diz o BB. 

De acordo com a instituição, a legislação estabelece que o FGEDUC é responsável pela garantia das operações contratadas por estudantes que atendam aos critérios definidos pelo Ministério da Educação. "O FGEDUC cobre os percentuais pactuados da inadimplência, conforme regulamentação própria, o que significa que eventuais atrasos ou inadimplementos não impactam diretamente os balanços dos bancos. Atribuir o montante inadimplido como prejuízo direto das instituições financeiras desconsidera a estrutura legal e operacional do programa", finaliza texto. 

A Caixa, por sua vez, reforçou que não há prejuízo financeiro ao banco decorrente da inadimplência do programa de financiamento estudantil. "Os recursos utilizados no financiamento do Programa FIES não pertencem à CAIXA nem ao Banco do Brasil. As operações são realizadas com recursos públicos do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que conta com dois Fundos Garantidores de Crédito: o FGEDUC, que honra parte das operações de crédito dos contratos de financiamento firmados entre 2010 e 2017, e o FG-FIES, para contratos firmados a partir de 2018. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é o gestor dos ativos e ivos do FIES", diz. 

Neste sentido, a Caixa atua apenas como agente financeiro do Fies. "Essas atividades têm caráter técnico e operacional, com escopo claramente definido nos contratos de prestação de serviços firmados com a União, representada pelo MEC e pelo FNDE, além de estarem respaldadas pela legislação vigente (Lei nº 10.260/2001, Portaria MEC nº 209/2018, entre outras). As instituições financeiras não contabilizam a inadimplência do Fies como prejuízo em seus balanços, uma vez que os créditos inadimplentes são de responsabilidade dos Fundos Participantes do Programa", acrescenta. 

Conforme a Caixa, em casos de inadimplência, os bancos apenas farão a cobrança istrativa das parcelas vencidas. "E adotará as medidas cabíveis com vistas à recuperação das parcelas em atraso, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, incluídos os encargos contratuais incidentes”. Para isso, a CAIXA utiliza os mesmos canais de cobranças dos créditos próprios. A CAIXA reitera que cumpre integralmente suas atribuições relativas à execução e istração dos contratos, em conformidade com as legislações pertinentes e o marco regulatório do Programa. O banco reafirma seu compromisso com a transparência e a boa gestão das atividades sob sua responsabilidade", finaliza. 

*Os personagens com nomes marcados com astericos têm nomes fictícios, a pedido.

Matéria atualizada em 10 de junho, às 12h23.