DIVERSIDADE

Inclusão é relevante para 53% dos empreendedores

Pequenos negócios começam a contratar equipes diversas, mas ainda não têm políticas estruturadas

 

Se nas grandes corporações a aposta em diversidade vem acompanhada de formulação de uma política, contratação de especialistas e realização de várias pesquisas, nas pequenas empresas a questão ainda não é tão estruturada. A inclusão ainda acontece, na maior parte, por instinto e para trazer soluções imediatas. Mas isso não quer dizer que os empreendedores ignorem o tema: 53% dos micro e pequenos empresários consideram a inclusão relevante, o que mostra espaço para avanço da pauta, como mostra a pesquisa “Diversidade, Equidade e Inclusão nos Pequenos Negócios”, feita pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas).

“A pesquisa mostrou que o tema está crescendo. O desafio agora é transformar o conhecimento em prática cotidiana e isso demanda muito diálogo, sensibilização da equipe, capacitação. As empresas de menor porte estão na fase de mapear e entender o cenário para traçar as ações”, afirma a analista da unidade de Inteligência Estratégica, área responsável pela pesquisa, Isabela Siqueira. Isso é comprovado por alguns dados da pesquisa do Sebrae Minas: 76% dos empreendimentos não têm produtos focados especificamente em pessoas com deficiência, negras, com corpos divergentes, LGBTQIAPN+ ou com mais de 50 anos, e 13% dos entrevistados disseram nunca ter ouvido falado em diversidade em empresas. 

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Segundo a analista de Diversidade do Sebrae Minas, Lídia do Carmo, um dos entraves para entendimento do tema nos pequenos negócios é a característica familiar de parte deles. Muitas vezes, mesmo que sem notar, o empreendedor acaba se aproximando mais de pessoas que têm ligação com a cultura familiar, que se funde com a da empresa. Por isso, é comum a contratação de pessoas diversas acontecer, atualmente, sem uma intencionalidade ou criação de vagas afirmativas. “Tem contratação orgânica de pessoas diversas porque o tema ainda está em estágio mais inicial. A contratação com uma visão mais direcionada, pensando em mudanças nos requisitos para incluir mais grupos, ainda é uma realidade menos comum nos pequenos negócios”, diz. 

Foi assim que começou a diversidade no restaurante “Isto e Aquilo”, em Belo Horizonte. “A gente não começou com políticas definidas sobre o assunto não, mas com o coração aberto para isso. O que não abro mão, enquanto condutor do negócio, é do respeito. Com isso, conseguimos ter uma equipe diversa”, afirma o empresário Fabiano Matta Machado. Ao notar os ganhos de ter pensamentos diferentes no restaurante, como melhor capacidade de atendimento humanizado para a clientela, ele decidiu reservar vagas para pessoas com mais de 55 anos.

“A inserção do diverso traz ganho de conhecimento e um amadurecimento muito grande. O nível de respeito se reflete no atendimento e na qualidade da comida. A presença de pessoas mais experientes faz sentido no nosso caso porque temos uma comida mais afetiva. Então é preciso ser alguém que se conecte com o negócio e entenda que não é sobre ter técnica de atendimento e sim compreender a dinâmica de construção de sabor. E neste quesito, os mais velhos se destacam”, explica.

O negócio já tem várias pessoas com mais de 55 anos na equipe, sendo que uma delas, de 75, cozinha no local há 30 anos. Ela é surda e, no trabalho, se comunica pela linguagem do sabor e do amor ao que faz. Para capacitar a equipe para acolher essas e outras diversidades, Fabiano levou uma especialista na área. Foi aí que o restaurante se tornou um ambiente de fato acolhedor para reter funcionários. “Antes de contratar a primeira pessoa trans, tivemos uma palestra aqui para que as pessoas entendessem as melhores práticas de respeito”, diz. 

Para Fabiano, o que facilitou o acolhimento da diversidade no local foi a história do negócio. Segundo ele, o restaurante foi primeiro a adotar a venda de comida a quilo no país, em 1986, e o objetivo era disponibilizar comida de qualidade a menor preço para as mulheres que entravam em maior escala no mercado de trabalho e avam a não ter mais tempo de cozinhar. “Meu tio colocou uma balança e as pessoas pegavam a comida e levavam para casa. Nem tinha mesa”, lembra.

Segundo a pesquisa do Sebrae, os principais motivadores para a busca por inclusão nas empresas de pequeno porte são ambiente mais acolhedor, estímulo à inovação e à criatividade, além da redução de conflitos. É exatamente o que Marco Gonçalves, dono da clínica de implante Capillus News, percebeu na prática com a formação de uma equipe diversa: “Quanto mais diferentes os pontos de vista, as culturas, as visões sobre as coisas, mais rápido a gente chega em soluções de problemas que podem existir”, afirma. 

Pequenos negócios abrem portas

Depois de enfrentar a prisão e ser condenada por um crime que depois comprovou na Justiça não ter cometido, Priscila Santos, de 40 anos, ou por um dos períodos mais difíceis de sua vida. Ela se viu nas ruas e chegou a se “afundar” no uso de crack. A virada veio por meio do empreendedorismo. A história dela ilustra uma outra forma de inclusão motivada pelos pequenos negócios: a possibilidade de sobrevivência quando nenhuma outra porta se abre.

A pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2021 mostrou que 48,9% dos novos negócios no país são abertos ou mantidos por necessidade. A GEM é feita em 50 países e, no Brasil, coordenada pelo Sebrae.

Quando Priscila decidiu que investiria no próprio negócio, ela precisou se qualificar. Enquanto isso, precisou vender balas e paçocas nos semáforos para sustentar a casa. “Fiz uma prova da Federação Brasileira de Bancos e, com o conhecimento que já tinha, consegui abrir minha empresa”, conta. Agora, ela oferece serviços como empréstimos, crédito antecipado, e consignado para aposentados.

“Atuar nessa área não é fácil, porque há muita concorrência. Mas trabalho com transparência e honestidade. Quero alçar novos voos. O empreendedorismo foi a virada de chave na minha vida. Ainda trabalho em home office, mas sonho com minha loja física”, afirma.

A história dela virou livro. Intitulada “Sobrevivente de Mim”, a obra já está em pré-venda na internet. “É uma narrativa real e profunda sobre injustiça, resiliência, cura e a certeza de que, por mais fundo que se caia, sempre é possível recomeçar”, conclui.