Nas últimas semanas, a notícia de que a TV Globo pretende abrir mais um horário de dramaturgia inédita com novelas curtas, em torno de 60 capítulos, algo como “doramas brasileiros”, tem movimentado a imprensa e criado expectativas nos amantes de novelas e doramas. No entanto, fazer novelas mais curtas que a média não é ideia nova na emissora.

As características essenciais dos doramas – poucos capítulos, em geral poucos personagens, enredo concentrado e comumente sem tramas paralelas – são as mesmas de qualquer produção que se pretenda que seja dividida em capítulos, porém curta.

Como essa é uma tendência de sucesso entre os consumidores de dramaturgia no streaming, a aposta se justifica na TV aberta. O SBT vai estrear a Sessão Dorama em 9 de junho, à tarde, e já se sabe que a emissora da família Abravanel pretende fazer adaptações brasileiras de textos coreanos em breve.

Especialmente Lauro César Muniz, veterano da nossa dramaturgia – criador de clássicos como Escalada (1975), O Casarão (1976), Roda de Fogo (1986-1987) e O Salvador da Pátria (1989) -, é defensor das novelas curtas há bastante tempo. Se as histórias são longas porque custam caro e demoram a se pagar e dar lucro, projetos com menos núcleos, menos personagens e menos cenários dariam menos despesas, ou seja, poderiam levar menos semanas para terminar sem que houvesse prejuízo.

Em 1999, Lauro esteve na fila da faixa das 18h da TV Globo com uma história intitulada Bodas de Prata, que substituiria Força de Um Desejo (1999-2000) e teria 60 capítulos, número ampliado depois para 78. Havia a intenção de fazer novelas mais curtas e concentradas. O projeto acabou adiado e depois cancelado. De Carlos Lombardi, Uga Uga (2000-2001) foi considerada para o horário, mas em termos normais, ou seja, duração convencional, de seis meses ou mais.

Com a mudança de Uga Uga para a faixa das 19h, a ideia da novela curta voltou à tona para as 18h, com Esplendor (2000), de Ana Maria Moretzsohn, que seria uma “novela de verão”, com 84 capítulos. Realmente, a história foi mais curta que o usual, com seus 125, mas durou mais do que o inicialmente previsto. Sua substituta, O Cravo e a Rosa (2000-2001), de Walcyr Carrasco e Mário Teixeira, também não chegaria a 100 capítulos, mas o grande sucesso levou-a a ar dos 200.

Em entrevista a mim em 2016, quando eu pesquisava para meu livro Novela: A Obra Aberta e Seus Problemas (Giostri Editora), Duca Rachid – colaboradora de Walcyr e Mário – declarou que foram necessárias algumas mudanças de rota para fazer de uma história curta algo que durasse o tempo normal de uma novela.

Se para três ou quatro meses bastaria Catarina (Adriana Esteves) para cumprir o papel de pessoa que atrapalha o romance central, que ela própria integrava, para a duração convencional de um folhetim seria preciso ter uma vilã tradicional, que entrou na história quando os autores souberam da determinação de esticá-la: Marcela (Drica Moraes), filha do banqueiro Joaquim (Carlos Vereza), que tivera um caso com Petruchio (Eduardo Moscovis) no ado e convertia-se em antagonista de Catarina.

O mesmo Walcyr Carrasco desenvolveu uma primeira história que, caso o piloto seja aprovado, deve inaugurar a faixa com produções curtas. André Luiz Frambach, Giullia Buscacio, Marcelo Serrado, Flávia Alessandra e Kelzy Ecard estão na empreitada. Ana Maria Moretzsohn e Glória Barreto voltaram à TV Globo para supervisionar projetos neste sentido, e Cristianne Fridman deve um deles, segundo informações do Notícias da TV.

Atualmente, a proposta de fazer novelas curtas, como já tem ocorrido com o Globoplay como primeira janela, atende à intenção de oferecer histórias de apelo junto a um público habituado ao streaming, como os jovens, por exemplo, e nada impede que da maneira convencional a audiência também seja significativa. A novidade está no tom, que deve ser adequado à faixa livre, ao contrário de outros títulos, que ao chegarem à TV aberta só podem ser exibidos em horário mais tardio.

Não considero aqui O Fim do Mundo (1996), de Dias Gomes. Criada, escrita e produzida como minissérie, a história só foi exibida como “supernovela em 35 capítulos” às 20h30 para tapar o buraco entre o fim de Explode Coração (1995-1996), de Glória Perez, que não pôde esticar sua obra, e a estreia de O Rei do Gado (1996-1997), de Benedito Ruy Barbosa, que atrasou em algumas semanas.

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