Mais de dois meses depois de ser aprovada em segundo turno pela Câmara dos Vereadores e 13 dias após ser promulgada pelo presidente da Casa, Juliano Lopes (Podemos), não há qualquer indício de que a lei para uso da Bíblia como recurso paradidático nas escolas municipais de Belo Horizonte será adotada na cidade.
O texto conta com o repúdio do Sind-Rede, o sindicato dos professores da prefeitura, com o silêncio do governo municipal, responsável pela efetivação da medida, e da própria autora do texto que originou a regra, a vereadora Flávia Borja (DC).
A lei diz que a leitura da Bíblia poderá ser realizada nas escolas municipais e particulares “como recurso paradidático para a disseminação cultural, histórica, geográfica e arqueológica de seu conteúdo”. O texto afirma também que “as histórias bíblicas utilizadas deverão auxiliar projetos escolares de ensino correlatos nas áreas de história, artes, ensino religioso e filosofia”. Conforme a lei, nenhum aluno é obrigado a participar das atividades em que o livro sagrado para os cristãos for usado. Dos 41 vereadores, 28 votaram a favor, oito votaram contra e dois se abstiveram. Três parlamentares não participaram da sessão.
Para a integrante da diretoria do Sind-Rede Luana Grammont, o texto é inconstitucional e foi construído para parecer ser constitucional, sobretudo quando diz que o aluno não é obrigado a participar das aulas. “É uma lei em defesa de uma religião única, em detrimento de outras, dentro das escolas. Isso é inconstitucional”, pontua a dirigente sindical. “Nas escolas pode-se discutir todas as religiões, mas não pode haver uma lei para que se discuta só uma”, acrescenta. A entidade estuda medidas contra a decisão dos vereadores. A lei foi aprovada em 8 de abril e promulgada no dia 28 pela Câmara, após o prefeito Álvaro Damião não sancionar nem vetar o texto. Pela legislação, o prefeito tem 15 dias para tomar a decisão. Caso isso não ocorra, o posicionamento a a ser incumbência do chefe do Poder Legislativo. A prefeitura foi acionada pela reportagem com questionamentos sobre as medidas que poderão ser adotadas, mas não houve retorno. Conforme a diretora do Sind-Rede, nenhum representante das cerca de 300 escolas municipais de BH procurou a entidade demonstrando interesse em usar a Bíblia nos moldes da lei aprovada.
‘Guinness’
Na apresentação do projeto de lei, a autora do texto, vereadora Flávia Borja (DC), cita o “Guinness Book”, o Livro dos Recordes, para justificar o uso da Bíblia nas escolas. Ela compara o livro cristão com publicações paradidáticas. “De acordo com o ‘Guiness World Records’, a Bíblia Sagrada é o livro mais lido do mundo, com mais de 5 bilhões de unidades vendidas ao longo da história. Esse fato isolado já confere a esse livro sagrado uma importância maior do que a soma de todos os outros livros paradidáticos (...)”, acredita a vereadora. A reportagem entrou em contato com o gabinete da parlamentar, mas, assim como ocorreu com a prefeitura, não houve retorno.
Em relação às escolas particulares, o superintendente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado de Minas Gerais (Sinepe), Paulo Leite, afirma que as instituições falam de todas as religiões, conforme a orientação de cada uma. “As escolas possuem autonomia, em seus regimentos internos, de orientar princípios que considerem ser efetivos e propositivos para o desenvolvimento de seus projetos pedagógicos”, afirmou Leite. BH tem cerca de 800 escolas particulares.