BRASÍLIA – O Banco Central (BC) vai levantar todos os valores e os remetentes de transferências via Pix recebidas pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). A instituição atende a uma ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão sobre abertura de nova investigação contra a parlamentar.

O magistrado determinou nesta quarta-feira (4) a abertura inquérito contra a deputada para apurar “suposta prática dos crimes de coação no curso do processo e obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa”.

Zambelli anunciou na terça (3) que deixou o Brasil, após ser condenada a 10 anos de prisão por invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No entanto, a parlamentar tem mudado versões sobre a viagem, em especial sobre seu destino.

Após dizer que sua intenção é morar na Itália, onde tem cidadania e esperar receber proteção do governo contra eventual pedido de extradição, a parlamentar afirmou em uma entrevista à CNN Brasil que pretende permanecer nos Estados Unidos e pedir asilo político ao governo de Donald Trump

Para Moraes, Zambelli pretende adotar o “mesmo modus operandi” usado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para a “prática de condutas ilícitas”. O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se mudou para os EUA em março. Ele tem dito que busca sanções contra Moraes e outras autoridades brasileiras. Zambelli disse querer fazer o mesmo.

Além de anunciar que havia deixado o Brasil, Zambelli afirmou em uma live no Youtube, terça-feira, que estava na Europa havia alguns dias, mas o marido da deputada afirmou, em entrevista à CNN Brasil, que ambos estavam nos Estados Unidos. Já na noite do mesmo dia, Zambelli disse, também à CNN, que estava na Flórida.

Zambelli arrecadou ao menos R$ 285 mil em ‘vaquinha’ dizendo que era para pagar multas

Carla Zambelli recebeu ao menos R$ 285 mil de apoiadores, via Pix, antes de deixar o Brasil. A parlamentar dizia que a “vaquinha” virtual, organizada por ela mesma, visava pagar multas decorrentes de decisões do STF. Além dos 10 anos de prisão, o STF impôs à deputada uma indenização de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos. 

Zambelli deu início à campanha de arrecadação em 19 de maio. No mesmo dia, ela publicou um extrato bancário com saldo de R$ 166 mil e disse que sua conta estava com R$ 14 mil negativos antes do início da arrecadação. Já em 21 de maio, a deputada anunciou que estava com R$ 285 mil em sua conta. 

Mesmo após deixar o Brasil, Zambelli continua pedindo Pix nas redes sociais. Ela ainda colocou os dados bancários na descrição de seus perfis. Também reou a istração de suas redes sociais para sua mãe, Rita Zambelli. 

“Tomei a decisão de transferir oficialmente a titularidade das minhas redes sociais, como herança, para minha mãe, Rita Zambelli, uma mulher íntegra, de princípios sólidos, que carrega os mesmos valores que sempre defendi”, disse a deputada.

Zambelli ainda prosseguiu afirmando que sua mãe é também sua “pré-candidata a deputada federal no próximo ano, justamente para dar continuidade a essa luta que é de toda a nossa família e de milhões de brasileiros que se recusam a se curvar diante do autoritarismo”.

Zambelli não teve aporte confiscado nem perdeu redes sociais

Apesar de falar em perseguição e perda de direitos no Brasil, mesmo condenada à prisão, Zambelli não teve o aporte apreendido nem ficou impedida de deixar o Brasil. Por isso, viajou no fim de semana legalmente. 

Ao condenarem Zambelli à prisão, os ministros da Primeira Turma do STF declararam a perda automática do mandato da deputada. No entanto, Zambelli não perdeu o cargo automaticamente. 

A perda da função de deputada só pode ser concretizada pela Câmara dos Deputados, conforme prevê a Constituição. O que já está valendo é a inelegibilidade da parlamentar por oito anos.

Zambelli também ainda pode apresentar embargos de declaração após a publicação do acórdão à decisão da Primeira Turma do STF. O recurso não tem poder de alterar a condenação, mas adia o trânsito em julgado do processo. Eventual prisão da parlamentar também precisa ser autorizada pela Câmara.

Contudo, a jurisprudência do STF é a de que se a pena for superior a 120 dias de prisão em regime fechado (o que é o caso), o próprio tribunal pode determinar a medida porque a Constituição prevê que o deputado perderá o mandato se faltar a um terço das sessões. Neste caso, cabe à Mesa Diretora da Câmara apenas declarar a perda de mandato.

O STF sentenciou Zambelli a cumprir pena em regime fechado pela invasão aos sistemas do CNJ. A decisão também atinge o hacker Walter Delgatti Neto, condenado a 8 anos e 3 meses de prisão. 

Ele confessou ter inserido documentos falsos no sistema. Entre eles um mandado de prisão contra Alexandre de Moraes – o documento tinha do próprio ministro. Disse ter sido contratado por Zambelli, que confirmou a relação com o hacker, mas negou cometimento de crimes.

STF vai analisar recurso de Zambelli contra a prisão

Na noite de quarta-feira, Moraes pediu para a Primeira Turma da corte analisar na sexta-feira (6), em sessão virtual extraordinária, os recursos da de Zambelli contra a condenação a 10 anos de prisão por invasão aos sistemas do CNJ. Presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin. 

Após Zambelli anunciar que havia deixado o Brasil, Moraes decretou na quarta a prisão preventiva da deputada, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). De acordo com Moraes, a parlamentar tentou “se furtar da aplicação da lei penal” ao deixar o Brasil 20 dias após ter sido condenada pelo STF. 

“Após a sua condenação, com a fuga do distrito da culpa, a ré declarou que pretende insistir nas condutas criminosas, para tentar descredibilizar as instituições brasileiras e atacar o próprio estado democrático de direito, o que justifica, plenamente, a decretação de sua prisão preventiva”, escreveu Moraes em sua decisão.

Moraes ainda mandou bloquear os aportes de Zambelli, inclusive o documento diplomático que a deputada possui em razão do cargo, e incluir o nome dela na lista de difusão vermelha da Interpol – da qual fazem parte 196 países – para viabilizar uma extradição.

O ministro do STF também mandou a Câmara suspender o pagamento de “vencimentos e quaisquer outras verbas” destinados ao gabinete de Zambelli. A decisão prevê ainda o bloqueio de transferências, inclusive por meio de Pix, de veículos e de canais e perfis nas redes sociais. 

Inelegibilidade e condenações por ataques ao TSE e Lula

Carla Zambelli conseguiu ser reeleita em 2022, com 946.244 votos. Mas ela acumula pelo menos quatro condenações por fake news contra adversários políticos e o sistema eleitoral brasileiro. Principalmente naquele período eleitoral, o que pode lhe custar seu mandato.

Em dezembro de 2024, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) acatou uma ação movida pela deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) contra Zambelli por fake news contra o processo eleitoral. Em janeiro de 2025, o TRE-SP cassou os direitos políticos de Zambelli por 8 anos. 

Antes disso, em setembro de 2023, Zambelli, Mara Gabrilli e Flávio Bolsonaro foram condenados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a pagar R$ 10 mil a Lula por espalhar mentira que o petista pagou para não ser relacionado ao assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel (PT).

No dia 25 do mesmo mês, Zambelli foi multada em R$ 30 mil por divulgar a notícia falsa sobre a manipulação de urnas eletrônicas, publicada nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2022. Já em 20 de fevereiro de 2024, o TSE multou Zambelli em R$ 30 mil por propagação de desinformação contra o então candidato Lula em 2022.

Agora, enquanto diz buscar forças para enfrentar as decisões judiciais, além dos recursos que serão apresentados à Justiça, Zambelli afirma ter outro trunfo: a Câmara. Diz que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), deu “sinal verde” ao líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), para apresentar pedido de suspensão da ação penal contra ela no caso da invasão ao sistema do CNJ.